quarta-feira, setembro 28

Das Impertenças



Sempre vai me faltar meio coração, 
Meia alma, meio caminho, meio juízo
Pois sem você eu sou só metade 
Desencontrada no mundo real

Sempre vou travar minhas lutas
Com gigantes - velhos moinhos
Dentro do meu instante, sozinho,
Negando tudo que parece ideal

No meio de trilhas errantes,
Encontrando escadas, passagens, mirantes 
Me julgo incapaz de interrogar

Se serei capaz de investir
Em futuro, vida, carreira sem ti
Que, sem querer, deixou minha vela rasgar

Sempre vai me sobrar um espaço
Um verso, uma trova, um laço
Amarrado em cordão de três fios
No móbile que comecei a fazer

Sempre vou deixar um pedaço
Um retrato, um pano, um papel
Uma rima torta do meu cordel
Que aprendi a rimar com você

Mas se me perguntar se eu troco
Se vendo, se barganho, se encosto
Essa minha vida de colecionar outras almas

Eu pergunto o que é mais correto
Trocar o duvidoso pelo certo
Ou descobrir o poder da aventurança?

Ipê Amarelo


O vento está sempre ao contrário
A sua volta, é minha partida
A sua chegada é minha ida
Os meus olhos são atores
Que esqueceram as margaridas

O vento está sempre ao contrário
O remador não sabe o norte
As ondas altas cobrem o forte
Encontro seres do mar, inventados
Recorro à Nossa Senhora da Morte

O vento está sempre ao contrário
Nego a rendição perante o fracasso
Quando voltas pra terra, estou no mar alto
Quando a tua maré baixa, sou pescador
De palavras e gestos descombinados

O vento está sempre ao contrário
Traz tudo de inoportuno, pelos lados
O tempo não cura o Ipê Amarelo
A raiz tornou-se algo assim, complexo
E passa o tempo todo mudando de folha

O vento está sempre ao contrário
Os tesouros no mesmo chão enterrados
No mar, sou missionário do remorso
Você é pirata de tudo que não mostro
E minha escolha é sempre o cardeal oposto ao teu.

domingo, setembro 25

O Vendeiro e o Poeta



Pode um poeta mentir, seu Valdinho?
Pode um poeta fingir, se fazer de bendito
Quando maldito for,
Se fazer de menino,
Quando envelhece mais que o avô?

Pode um poeta fingir seu destino?
Escolher (ou esconder) o seu fascínio,
Colher flores onde não tem
Ser pessimista, quando só veem o bem,
Tomar leite e dizer que é licor?

Moço, se fores poeta, como estás a dizer
És tanta gente que não posso saber
Qual delas diz a verdade
Qual delas de ti é parte
Quando só tenho as palavras a que me apegar

Esse caderno, folha amarelada
Tem mais dores que todas as almas
Tem mais gente que o livro da vida
Tem mais contas que meu caderno de dívida,
É escravidão e liberdade. É um Karma.

Pode um poeta mentir, seu menino?
Pode um poeta morrer, moço espreito?
Posso ser o que eu escolher, seu Valdinho?
Pode, Homero. Vou fechar a venda.
Deixa que ponho tudo no prego.