segunda-feira, novembro 28

O Espelho



O espelho onde me vejo está manchado? Está. O espelho onde me vejo, eu sou capaz de limpá-lo. Será? Onde encontro os erros teus, são também os erros meus, o embate das trevas que não posso dissipar. Embassado e deslocado, meio torto do lugar, eu vejo as cruzes e as cicatrizes velhas que eu não sei maquiar. Se mexem a cada ciclo da lua. Um soco no espelho não alivia o pesadelo lúcido de encontrar em mim o que renego. Cada caco me torna cada vez mais nua. O espelho é o avesso e meu inteiro que não quero resgatar. É a verdade descarnada, a juba do ego aparada, e pronta pra mudar de novo.

Silêncio




Palavras são sementes. Às vezes, quando o chão é pedregulho, não planto e faço do silêncio um descanso. É o desafio mais difícil para o humano, bicho de dois ouvidos. Quando for possível viver o silêncio sem incômodos, outra alma se encontrou. Absoluto respeito pelo bem ou mal estar do outro. Entendimento, nem sempre, mas dentro da gente nós sabemos que alguma coisa está voltando pro lugar. Silêncio é tormento. É a falta de palavras latifúndias de dor ou de alegria. Tornar-se parte do mundo inanimado e sentir o relógio parar de girar. Ser mudo ao mundo, não sorrir e nem chorar. Meu silêncio é impessoal. Necessário. Caro. Meu mar.


domingo, novembro 27

Ampulheta



Tu és, no agora enquanto, esquecimento contínuo.
Na ampulheta demarcou-se algum destino
Prorrogado pela fé de desfazer maiores grãos
Gira e revira, preenche de novo, na medida
Esvaziando o lado esquerdo mais uma vez.
Na mesa a ampulheta. Acordei, e esquecia. Eu sonhei,
Mas em sonho eu também me esquecia. Amanheceu.
Teus cortes tão mais fundos ou muito frágil as minhas teias?


Acordei em desespero, porque tudo desaparecia...
Despejei ali mesmo o mar do meu peito.
Procurando um lenço, tropeçando e sem jeito,
Derrubei a ampulheta, despedaçada no chão.
Areia do esquecimento por todo lado...
A borboleta que morava lá dentro voou alto
E libertou pra sempre os gritos que engessei
Na esperança de um encanto em um grão qualquer.


Tempo.


segunda-feira, novembro 14

O Anjo



... veio e pousou.


O anjo e o cigarro.
A áurea do anjo
E seu sorriso navalhado
O moço desapegado
Magnético às pessoas da Terra.


O anjo e os olhos.
As asas no bolso
E o corpo que dança
Escorrega suas tranças
No peito nu, camisa aberta.


O anjo e o copo.
A fumaça que sai
A verdade que entra
Resvalou no peito, o reinventa
Brinca com as suas setas.


Pontiagudas, em chamas, envenenadas
e incrivelmente desembriagantes.


De novo voou...

sábado, novembro 12

Une Dune Tê

Une Dune
Salamê minguê
Eu não sei fazer
Poesias pra você?

Une Dune
Salamê minguá
Eu dou flores a você
E você o que me dá?

Une Dune
Sala de estar
Quanto mais eu chego perto
Mas você se afastar

Une Dune 
Para de brincar
Se perder o meu amor
Outro cara vai achar.

segunda-feira, novembro 7

Aborto


Um peso morto no peito
Era pra ser forte - menino
Era pra ser doce - menina
Era pra ser criado solto
Mas virou um peso morto, no peito.
Borboletas prematuras
Espremidas de um casulo
Ciclo de início, meio, sem fundo
Onde não põe semente nova
Giram as rodas do moinho
Tortas, moinho abandonado
Rocas de fiar, dedos cansados
Perfurados, sangue azul do amor real
Abortado, e nas mãos cerradas
O veneno, em forma de carta
Mastigado, o vestido em pedaços
Estanca o ventre onde um dia
Se criava borboletas.